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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A Necessidade da Caridade

 

 

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A CARIDADE SEGUNDO PAULO DE TARSO

 

Estudaremos, agora, o capítulo treze da primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, que aborda a caridade.

Como nos demais capítulos deste livro, faremos um estudo psicológico transpessoal dessa passagem do Novo Testamento, aplicando-o ao trabalho do Serviço de Assistência e Promoção Social Espírita.

Vejamos o texto de Paulo:

 

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse caridade, seria como o bronze que soa ou o címbalo que retine.

Ainda que eu tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, se não tivesse caridade, nada seria.

E ainda que distribuísse todos os meus bens para o sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu próprio corpo para ser queimado, se não tivesse caridade nada disso me aproveitaria.

A caridade é paciente, é benigna, a caridade não é invejosa, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não busca seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade.

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

A caridade nunca falha; mas, havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos.

Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que conhecemos em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.

Porque agora, vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face; e o que agora conhecemos em parte, então conheceremos no todo como somos por Deus conhecidos.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, destas três, porém a maior delas é a caridade.

 

Inicialmente vamos tratar de uma aparente contradição quanto às traduções desse texto de Paulo, pois algumas enaltecem a virtude da caridade e outras enaltecem o amor.

A palavra que Paulo escolheu para definir a virtude por ele enaltecida foi a palavra grega ágape, que foi traduzida como caridade para o português. Ágape em grego significa amor no sentido mais transcendente possível.

Existem várias palavras em grego para definir o amor. Ágape é o amor em transcendência, o amor incondicional, que foi definido como caridade nas línguas latinas. Todos nós somos convidados a praticar esse amor no sentido mais profundo.

Ágape, portanto, pode ser traduzida para o português como caridade ou como amor transcendente, incondicional, diferentemente da palavra philia, que também significa amor em grego. Só que é um amor mais terreno, mais próximo da amizade, um amor de relacionamento. Ágape significava o amor mais transcendente. Comparando, metaforicamente, philia é o amor na horizontal da vida; ágape é o amor no sentido vertical, que estabelece um contato direto com Deus.

Podemos, então, traduzir essa palavra para caridade que vem de caritas, em latim, que gerou caridade em português.

No vocabulário cristão, ágape é o amor que move a vontade na busca efetiva do Bem de outrem, em uma identificação com o amor de Deus. Pode-se também utilizar uma palavra composta para defini-lo melhor:amor-caridade.

Ágape é o desejo, em sua forma mais pura, pelo bem-estar de outras pessoas, gerando louvor e exaltação com o reconhecimento do valor dos outros. É o preenchimento de um Ser Humano com um elevado ideal ou dedicação.

Quando nós temos um ideal elevado que nos preenche e o bem do nosso próximo é esse grande ideal, nós desenvolvemos a caridade.

É o amor ao próximo no seu sentido mais elevado, que consiste em querermos para o próximo o mesmo que queremos para nós mesmos.

Todos nós queremos ser felizes. O amor-ágape, o amor-caridade é esse desejo, de que todas as pessoas sejam felizes, como nós queremos nossa felicidade.

É a síntese de dois preceitos cristãos: amar ao próximo como a si mesmo e fazer aos outros aquilo que gostaria que fosse feito a si.

Façamos, a seguir, a exegese dos versículos acima:

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse caridade, seria como o bronze que soa ou o címbalo que retine.

Paulo começa falando sobre as línguas dos homens e dos anjos. Ele era um especialista no assunto, pois era poliglota, falava o grego, o latim, o hebraico dentre outras línguas e dialetos. As línguas dos homens são permanentes ou são transitórias? São transitórias, tanto é que a língua mais falada nessa época, o latim, hoje é considerada uma língua morta.

Qual é a língua dos Anjos, os Espíritos iluminados? É a língua do pensamento, que expressa o amor.

Qual o significado do bronze que soa ou do címbalo que retine? Algo que só faz barulho.

Existem pessoas que usam da assistência social para fazer barulho? Kardec destaca inclusive um capítulo inteiro sobre isso em O Evangelho Segundo o Espiritismo: Não saiba vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita, exatamente porque muitas pessoas, em nome da caridade, fazem mais barulho do que realmente caridade. A pessoa trombeteia aquilo que ela faz, como se o barulho fosse mais importante do que a própria caridade. Quando a pessoa faz barulho com o bem que realiza, está querendo ser vista e aplaudida por causa desse “bem”.

Portanto, esse versículo expressa que de nada vale a intenção de se ter um sentimento elevado, se for apenas para fazer barulho, pois, nesse caso, não há verdadeiramente caridade, não há amor.

Ainda que eu tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, se não tivesse caridade, nada seria.

O dom da profecia era como se chamava a capacidade mediúnica de transmitir os ensinamentos dos Espíritos, dentre as quais a capacidade de previsão do futuro. O dom da profecia, sem caridade, o que gera? Charlatões que abusam da credulidade das pessoas, atividade muito comum à época de Paulo, e ainda hoje.

Depois Paulo diz: [...] conhecesse todos os mistérios e toda a ciência. O que ele está querendo simbolizar com isso? O que é o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência? Em um planeta de expiações e provas, a ciência humana tem a pretensão de conhecer a realidade da vida, mas diante de um Universo incomensurável, o conhecimento científico que temos, mesmo hoje, é uma quimera e, ainda mais à época de Paulo.

O conhecimento das nossas ciências são quimeras perto da realidade espiritual da vida. Se não houver caridade, o que vai acontecer? Essa mesma ciência é usada contra a humanidade.

Depois ele fala da fé que transportasse os montes. Jesus disse que se nós tivermos fé do tamanho de um grão de mostarda, nós poderemos dizer para uma montanha se transportar daqui para acolá e ela se transportará. É claro que esse versículo do Evangelho de Jesus não deve ser entendido ao pé da letra. Ele fala, na verdade, de montanhas de dificuldades, problemas que nós trazemos e não de uma montanha de granito.

Paulo usa essa passagem do Evangelho de Jesus e fala que, se nós tivermos toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, se não tivermos caridade nada seremos. Qual o significado disso? A fé sem caridade é morta em si mesma. A fé significa confiança. Uma pessoa que tem muita confiança em si mesma, mas não tem o amor, a caridade direcionando essa confiança, pode usá-la contra ela mesma. Ela pode usar contra seu próximo.

É necessário que tenhamos fé, confiança, mas norteada pela caridade, pelo amor a nós mesmos e pelo nosso próximo, para nos sintonizar com Deus. A fé verdadeira é a fé em que nós confiamos em nós mesmos, confiamos em Deus e confiamos na Vida. Essa tríade gera a verdadeira fé, que só vai existir se houver caridade.

E ainda que distribuísse todos os meus bens para o sustento dos pobres.

Uma atitude dessas, de distribuir todos os bens para o sustento dos pobres, não seria uma grande coisa? Agora se fizermos isso e não tivermos caridade nada disso nos aproveitará.

Refletindo esse versículo na realidade do Serviço de Assistência e Promoção Social Espírita, qual o significado de distribuir esses bens? É o próprio assistencialismo, que se faz em muitas Casas Espíritas. Distribuem-se os bens que o dinheiro pode comprar, muitas vezes, adquirido de forma descaridosa...

Essa distribuição de bens materiais gera a transformação do Espírito imortal? Muda a miséria moral, que é geradora da material? Não. Por que não muda? Porque não há caridade. Por mais que se diga que o assistencialismo é caridade, não o é, realmente.

Isso fica muito claro nesse versículo profundo da epístola. O assistencialismo vai gerar um benefício permanente. A caridade não é o ato de dar. É o ato de doar-se, juntamente com aquilo que se dá, sempre em concordância com a ética cristã.

E ainda que entregasse o meu próprio corpo para ser queimado.

Hoje já não temos mais os martírios físicos, mas na época de Paulo eram comuns os martírios físicos, atualmente, existem os martírios morais daqueles que se lançam no mundo como fiéis servidores de Jesus. Se nós fizermos isso, mas se não houver caridade, não estaremos verdadeiramente nos elevando até Deus.

A caridade é paciente, é benigna, a caridade não é invejosa, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não busca seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal.

Podemos, em um trocadilho, dizer que a paciência é a ciência da paz, a ciência que pacifica. Como vimos em capítulos anteriores, muitas vezes, existem pessoas que buscam realizar atividades assistencialistas, que são confundidas com caridade, para diminuir a ansiedade de consciência que mantêm devido à culpa. É possível uma pessoa com ansiedade de consciência nutrir paz? Não! A pessoa que age assim procura disfarçar essa ansiedade de consciência, buscando a paz de fora, por meio de atividade assistencialista, mas não há como conseguir, dessa forma, a paz de dentro, que somente será conquistada a partir da caridade, do amor-ágape. Por isso, a caridade é paciente, pois somente a pessoa que realiza a pacificação interior será capaz de pacificar o exterior.

A caridade é benigna, pois está a serviço do Bem Maior e é conseqüência natural desse Bem.

Não é invejosa. A inveja é um sentimento egoico extremamente infeliz. O invejoso, assim como o ciumento, está centrado nos outros, desejando o que os outros têm ou, como é mais comum, que os outros percam o que têm.

A maior parte das pessoas invejosas quer que os outros percam o que têm, motivo de sua inveja, para que se igualem a elas mesmas. A caridade não é invejosa e não é ciumenta, porque a pessoa caridosa está centrada no amor a si mesma, esse amor-ágape, real, que não impõe condições.

A pessoa caridosa se rejubila quando alguém está bem, porque isso é a essência de querer todo o Bem ao próximo. A pessoa que realmente está alimentando a caridade quer estar bem e, ao mesmo tempo, deseja que todos os demais estejam bem, juntamente com ela. Isso só é possível a partir desse ato de amor incondicional.

Depois Paulo fala da leviandade. A leviandade é esse movimento que leva a pessoa a agir sem seriedade, de uma forma irrefletida. Como vimos (...), a caridade somente acontecerá, verdadeiramente, como resultado de muita reflexão.

A caridade não se ensoberbece. A soberba é o orgulho se manifestando. Quem deseja aparecer pelos seus atos de “caridade” se afasta da verdadeira caridade. A soberba é a antítese da caridade.

A caridade não se conduz inconvenientemente. Que inconveniência é essa que Paulo aborda? O que é agir de forma inconveniente? Em relação ao outro significa não respeitar o seu livre-arbítrio, como acontece muito em atividades sociais, nas quais as pessoas que as realizam se colocam como donas da verdade a ditar normas de conduta para o outro seguir.

Em relação a nós mesmos, agir de maneira inconveniente é a pessoa se obrigar a realizar uma ação beneficente... Como a caridade pode ser realizada por obrigação? Se ela for feita por obrigação está sendo inconveniente, inapropriada, pouco útil. A caridade não se conduz dessa forma, porque a caridade é resultado desse amor profundo, em ação de transformação. O amor-ágape nos convida para a transformação de dentro para fora e não é possível de ser realizado de fora para dentro, pois isso é inconveniente.

A caridade não busca interesses. Que interesses são esses? Ficar livre de obsessor, ir para colônias espirituais elevadas etc. Eu vou fazer caridade, porque senão vou para o umbral depois que desencarnar; Eu preciso fazer caridade, porque senão não vou ter salvação. Poderíamos enumerar uma série de “senões”, que são puramente interesses pessoais. A caridade verdadeira não busca interesses.

Qual é o maior ganho de quem desenvolve a virtude da caridade? É a transformação interior. Tudo o mais é conseqüência. Se nós meditarmos na própria trajetória de Paulo de Tarso, veremos que ele foi uma pessoa extremamente inconveniente a ponto de perseguir os cristãos, forjando processos para matá-los. Depois de ter sido chamado diretamente por Jesus na estrada de Damasco, ele se conduz de forma completamente desinteressada.

Antes de ele se converter ao amor de Jesus, qual era o seu interesse maior? Destruir tudo que Jesus havia legado. Após a sua conversão, doa-se intensamente ao ministério de amor com Jesus, da forma mais desinteressada possível, até o martírio em Roma. Após haver passado pela porta estreita da desencarnação é recebido por Jesus, Abigail, sua ex-noiva, e Estevão, o primeiro mártir do Cristianismo, que vieram das altas esferas para recebê-lo. Ele não tinha idéia de que isso iria acontecer, tanto é que ele se vê deslumbrado com aquela cena. Tudo isso aconteceu como conseqüência dos seus atos. Ele não fez tudo o que fez, pensando que Jesus viria recebê-lo depois de ter passado pela porta estreita, muito pelo contrário, acreditava-se não merecedor de tudo aquilo.

A caridade não se exaspera. Se uma pessoa está realizando um trabalho do Bem e esse trabalho a exaspera, irrita-a o tempo todo, fazendo com que ela agrida as pessoas, é porque, provavelmente, ela está se obrigando a realizar o trabalho e, por isso, acontece toda essa exasperação.

Como um trabalho do Bem pode gerar o mal do trabalhador? Se estiver gerando o mal, alguma coisa está errada. Ou aquele trabalho não é do bem verdadeiro, pois muitas atividades assistencialistas são inspiradas por Espíritos das sombras, constituindo-se em uma atividade de pseudobem e, com isso, jamais vão gerar o bem do trabalhador.

Caso seja realmente um trabalho calcado na caridade cristã e a pessoa, mesmo assim, não se sente bem é devido à forma como essa pessoa o está conduzindo, pois está mal direcionada, porque o Bem deve fazer bem primeiro ao trabalhador do Bem.

Por isso, os Benfeitores responderam a Allan Kardec, que a caridade é a benevolência para com todos, indulgência e perdão das ofensas. Para nós, no estado evolutivo em que estamos, essas virtudes somente podem ser conquistadas com muito exercício. Por isso, a verdadeira caridade é difícil de ser praticada. Nós estamos, ainda, muito distantes da benignidade, do amor incondicional, contudo, podemos fazer exercícios para desenvolvê-lo.

Isso não significa que estaremos o tempo todo sorridentes e maravilhosos no trabalho. Isso ainda não é possível para nós, contudo é possível fazer esforços de transformação. Surge a vontade de se exasperar por algo que saiu errado, nesse momento, somos convidados a transformar aquela irritação, fazendo um esforço para não agredir o companheiro de trabalho, por exemplo. Essa atitude só será possível se refletirmos sobre o significado do trabalho do Bem em nossas vidas, pois é por meio dele, que iremos nos autotransformar.

A caridade não se ressente do mal, porque é o Bem por excelência. O Bem não se ressente do mal, porque o Bem é luz. Ele luz por si mesmo e, ao luzir por si mesmo, desfaz o mal.

Não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade.

A caridade não se alegra com a injustiça. A injustiça surge pelo afastamento do Reino de Deus...

Qual é a justiça maior? É a justiça do amor, conforme nos ensina Jesus: Buscai o Reino de Deus e a Sua Justiça e tudo o mais nos será acrescentado.

A caridade regozija-se com a verdade. No trabalho do Serviço de Assistência e Promoção Social Espírita toda tarefa a ser realizada em nome da caridade deve se regozijar com a verdade, e por isso, deverá sempre promover o Espírito imortal.

Portanto, é inconcebível se praticar em nome da caridade atitudes (...) nas quais usamos de meios descaridosos para adquirir os recursos financeiros para manter as atividades assistenciais, como difundirmos a mentira sob a forma da literatura pseudoespírita para poder obter recursos materiais para nossas instituições.

É necessário refletirmos que a caridade somente se regozija com a verdade. Se soubermos que algo se constitui em uma mentira, tomemos consciência de que, se nós compactuarmos com essa mentira, estaremos nos comprometendo. Como é triste alguém se comprometer com a mentira para adquirir recursos financeiros para realizar uma atividade assistencial em nome do Bem. Que trabalho do Bem é esse que se compromete com a mentira?

Por isso é preferível fazer menos filantropia, menos atividades materiais, do que nos comprometermos com a mentira por causa de recursos materiais, porque a caridade se regozija, apenas, com a verdade.

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Neste versículo, Paulo mostra muito bem que a caridade pode até sofrer falta de recursos, mas estará sempre na esperança de resolver esse problema. Quando agimos assim estamos verdadeiramente praticando caridade que vai suportar tudo, crendo que somente os ideais de amor, os ideais verdadeiros é que transformam a sociedade.

A caridade nunca falha; mas, havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos.

As profecias são transitórias, já a caridade permanece sempre. O latim, como dissemos, era a língua mais falada à época de Paulo e hoje, não existe mais. A ciência da época de Paulo já não existe mais. Somente alguns rudimentos dessa ciência é que ainda subsistem. O conhecimento da realidade da vida ainda é muito parcial, diante de todo um Universo incomensurável.

Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que conhecemos em parte será aniquilado.

O que é o perfeito que irá surgir? O nosso Cristo Interno, a Essência Divina que todos nós somos... Nós estamos reencarnados para nos aperfeiçoar. Por isso, o exercício da caridade salva, porque nos aperfeiçoa, fazendo surgir o que é perfeito.

A caridade que salva é exatamente a transformação da sombra que existe em nós em luz. Esse aperfeiçoamento acontece gradativamente. Vai chegar o momento de nos tornarmos Espíritos Crísticos, com uma perfeição relativa.

Quando realmente colocarmos a caridade em prática, sentimentos que são bem conhecidos por nós, como o egoísmo, o egocentrismo e o orgulho vão ser aniquilados, transformados, pelo exercício da caridade, em virtudes essenciais.

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.

Neste versículo menino é símbolo da ignorância. Paulo não quis dizer menino fisicamente, mas menino no sentido de incapacidade de entender as questões fundamentais da vida. Quando amadurecemos e nos tornamos adultos, com maior capacidade de entendimento da realidade da vida, desistimos da infantilidade, para buscar o conhecimento da Verdade Universal.

Quando nós somos meninos, no Movimento Espírita, o que fazemos? Assistencialismo. Nós ficamos dando coisas materiais sem atender às reais necessidades do Espírito imortal. Depois que nós crescemos e nos tornamos adultos, compreendemos a realidade da vida e somos convidados a desistir das coisas próprias de menino.

Todos nós estamos sendo convidados a desistir da pura filantropia, sem promoção integral do Espírito imortal, para desenvolvermos verdadeiramente a caridade moral e material. O objetivo principal deste livro é promover a reflexão a esse respeito. Podemos continuar sendo meninos? Podemos, mas não nos convém, conforme diz o próprio apóstolo Paulo em I Coríntios 10, 23: Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam. O que nos convém é praticar a verdadeira caridade desistindo das coisas próprias de menino.

Qual deve ser a postura daqueles que já desistiram das coisas próprias de menino com relação àqueles que ainda não desistiram dessa postura infantil, na mesma Casa Espírita? Nós vamos lutar contra essas pessoas? Não! O que Paulo diz? A caridade espera, é paciente, é benigna. Portanto, jamais vamos destruir o trabalho que outras pessoas estão realizando, mas vamos buscar esclarece-las sobre a necessidade de ampliar as atividades para atender às necessidades do Espírito imortal, com esperança, paciência e benignidade.

Todas as reflexões que fizemos (...) não têm como objetivo destruir os trabalhos assistenciais que já existem, mas proporcionar reflexões com o intuito de transformar os trabalhos existentes, que ainda não são feitos nos moldes que refletimos, e fortalecer os que já o são.

Quando estamos movidos pela caridade, convidamos, alertamos, esclarecemos, com paciência, benignidade e esperança, aqueles que ainda pensam de forma diferente para que possam mudar de atitude.

Caso contrário, se enfrentarmos aqueles que ainda não pensam como nós, estaremos faltando com a caridade e estaremos agindo como meninos, ainda. Também se ficarmos acomodados, sem nada fazer, estaremos escondendo a candeia embaixo do alqueire. Somente assumindo a postura do adulto, que verdadeiramente exercita a caridade, é que vamos realizar mudanças de forma eficiente e eficaz.

Porque agora, vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face; e o que agora conhecemos em parte, então conheceremos no todo como somos por Deus conhecidos.

Quando nós estamos na postura de menino, vemos somente o reflexo das coisas, porém, quando passamos a desenvolver as virtudes latentes em nossa Essência Divina, principalmente, o amor-ágape, a caridade e o amor incondicional, nós veremos face a face, a nossa própria essência, aquilo que estamos buscando em termos de salvação, a transformação interior. E o que agora conhecemos em parte, porque nós sabemos que somos filhos de Deus, que somos uma Essência Divina, mas ainda não sentimos isso em plenitude, (...) nós passaremos a conhecer no todo como somos por Deus conhecidos.

A salvação pela caridade é o processo de sentir isso plenamente para passarmos a nos ver como Deus nos conhece, como Espíritos Crísticos... Esse é o nosso futuro, o aperfeiçoamento até a perfeição relativa, mas, como para Deus não há futuro, Ele já nos conhece dessa maneira.

Quando Paulo de Tarso diz em Gálatas, 2:20: Não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim, ele fala exatamente desse movimento do adulto que toma consciência de si e, a partir do momento que toma consciência, faz nascer o seu Cristo Interno, tendo como modelo Jesus Cristo, esse Espírito de escol, que é o nosso Modelo e Guia.

A prática da caridade é esse movimento que nos leva a desenvolver o aperfeiçoamento gerador da pureza espiritual, ao longo do tempo, tudo aquilo que nós já somos para Deus – Espíritos puros. É esse processo que Kardec coloca como a salvação pela caridade.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, destas três, porém a maior delas é a caridade.

Por que a maior dessas virtudes é a caridade? A caridade é maior, porque é ela que dá o direcionamento tanto para a fé, quanto para a esperança. Na verdade, todas as virtudes são direcionadas a partir do amor-ágape, o amor-caridade. Quando nos propomos verdadeiramente desenvolvê-lo em nossos corações o resultado é a salvação.

Nós nos tornamos pessoas melhores e que, por isso, renunciam a si mesmas em prol do seu próximo. Inicialmente, do próximo mais próximo, para depois ir alargando as possibilidades até chegar a um nível de ter uma humanidade inteira para amar e servir como Jesus, a nos convidar a encontrar Deus a partir d’Ele por ser Ele o Caminho, a Verdade e a Vida, que nos conduz a praticar a Caridade Essencial.

 

(Texto extraído do livro “Fora da Caridade Não Há Salvação”

do autor Alírio de Cerqueira Filho,  capítulo 7 – A Caridade Segundo Paulo de Tarso, Editora EBM, ano 2009.)

 

Fonte: Núcleo Espírita "A Caminho da Luz"